Em uma década, 551 meninas de 10 a 19 anos foram assassinadas no Ceará


De vítimas da violência de gênero às arregimentadas pelo tráfico de drogas ainda na adolescência: em pouco menos de uma década, pelo menos, 551 meninas de 10 a 19 anos de idade foram assassinadas no Estado do Ceará.  O dado é revelado em pesquisa do Comitê de Prevenção e Combate à Violência (CPCV) da Assembleia Legislativa do Ceará, a partir das estatísticas disponibilizadas pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).

O número representa 1,5% dentro de uma realidade com 36.095 Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) contabilizados no Estado, de janeiro de 2014 até setembro de 2023. Se destaca o ano de 2018 como período mais violento para vítimas do sexo feminino, de 10 a 19 anos: 114 homicídios, em 12 meses.

Em meio à sexta edição da Semana Estadual de Prevenção aos Homicídios de Jovens no Ceará, o Comitê lança nesta quinta-feira (9), às 13h, resultado do estudo de campo realizado nos últimos anos e intitulado: ‘Meninas no Ceará: a trajetória de vida e de vulnerabilidades de adolescentes vítimas de homicídio’.

Conforme a pesquisa, em  87,5% dos casos houve uso de arma de fogo. Outros 7,5% se deram com uso de arma branca, 3,75% por meio de asfixia e 1,25% com carbonização. Quase 20% das vezes, os corpos das meninas foram encontrados com sinais de tortura.

A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) disse por nota que “o Estado do Ceará trabalha incessantemente para reduzir os Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) em todo território cearense. Graças às estratégias e investimentos, o Ceará fechou o ano de 2022 com redução de 36,9% nos Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs) contra pessoas do sexo feminino, na faixa etária de 10 a 19 anos”.

“É importante destacar também que nos nove primeiros meses deste ano, o Ceará já apresenta uma redução parcial de 28,5% nos CVLIs contra esse público, quando comparado com o mesmo período de 2022. Em 2023, de janeiro a setembro, foram registrados 20 CVLIs. Já no mesmo período do ano passado, foram 28 casos. A SSPDS-CE reforça que a Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE) apura todos os casos que chegam ao conhecimento das autoridades policiais. Durante as investigações, são colhidas oitivas e realizadas diligências no intuito de apurar as circunstâncias dos delitos que podem ser pelo fato das vítimas estarem envolvidas com grupos criminosos ou, exclusivamente, pelo fato das vítimas serem do sexo feminino, entre outros motivos”

SSPDS
ANO MAIS VIOLENTO DA SÉRIE HISTÓRICA PARA ESTE PÚBLICO

De acordo com a pesquisa, dos casos ocorridos em 2018, “apenas 10,5% dos crimes tiveram os autores responsabilizados” sendo que “o principal entrave para que a justiça seja feita se situa na fase de investigações”.

“Esse sentimento de injustiça se resvala no sentimento da família destas jovens. Há uma sensação constante neles que o Estado não atua como deveria atuar. É uma falha estrutural”, disse Stella Maris, assessora técnica do Comitê.

 

A alta de homicídios contra mulheres em geral foi de 120,48% entre 2016 e 2018, aponta o Comitê

 

“A partir da análise de inquéritos policiais e processos judiciais, o estudo buscou verificar, nos âmbitos da segurança pública e da justiça, os encaminhamentos dos casos de mulheres de dez a 19 anos de idade assassinadas em 2018. A pesquisa identificou que, até o mês de abril de 2023, apenas 13 réus foram responsabilizados criminalmente pelo envolvimento na morte de nove mulheres, ou seja, em 10,5% dos óbitos”, conforme o Comitê.

“Decorridos cinco anos dos homicídios, 39 casos que englobam 43 óbitos femininos, ou seja, 50% das 86 mortes, ainda estavam em fase de inquérito policial. Nos casos em que houve elucidação do homicídio, o inquérito demorou quase um ano para ser encerrado: em média, 330 dias ou 11 meses”

O CPCV é uma instância de estudo, debate e mobilização instituído em 2016 na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.

 

ADOLESCENTES MORTAS

Dois casos trazidos pelo Comitê na pesquisa são de vítimas de 15 a 17 anos, ambas mortas em 2018. A menina de 15 anos foi encontrada morta dentro de casa, com marcas de faca no corpo.

Em um primeiro momento, a morte foi tratada como feminicídio. “Com o decorrer da investigação, descobre-se que um homem que morava pelas redondezas sabia que a menina morava sozinha e invadiu a casa para roubar. Joana acordou e encontrou o homem, que se assustou e acabou matando a adolescente. No fim das contas, tratou-se de um caso de latrocínio”.

A outra vítima, de 17 anos, foi atacada pelo ex-namorado, que não aceitava o fim do relacionamento. Ela foi atingida por disparos de arma de fogo, na porta de casa, seis meses após o término do casal.

 

“Quando essas duas histórias são comparadas, é possível perceber a influência dos marcadores sociais das vítimas no processo de investigação do homicídio”

COMITÊ CADA VIDA IMPORTA

 

Os registros ainda apontam relação estreita entre assassinatos e facções criminosas. Por vezes, meninas são mortas porque postaram nas redes sociais fotos com alusão a gestos que indicavam ‘pertencimento’ a um determinado grupo armado.

AÇÕES DA SSPDS

Por nota, a Pasta ressaltou “que suas vinculadas reforçaram as ações para evitar os crimes violentos contra a vida. Como é o caso da criação e início das atividades coordenadas pelo Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV) da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE), entre os anos de 2018 e 2019, bem como a ampliação do número de delegacias do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), de cinco para 11 ainda em 2017, dedicadas à investigação de CVLIs na Capital”.

VEJA TRECHO DA NOTA:

“As delegacias do DHPP, inclusive, priorizam os casos cujas vítimas são crianças e adolescentes. Além disso, o acompanhamento de crianças e adolescentes em situação de violência também é feito por meio da Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca). Onde não há uma unidade especializada de atendimento a esse público, a população pode comparecer às delegacias municipais, metropolitanas e regionais para registrar os crimes. A PC-CE conta ainda com dez unidades da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), responsáveis por receber denúncias e investigar crimes praticados no âmbito doméstico e familiar, além de feminicídios. As unidades das DDMs atuam de forma integrada em equipamentos da Secretaria da Mulher como as casas da Mulher Brasileira (CMBs), em Fortaleza; e da Mulher Cearense (CMCs). 

A SSPDS salienta que foca nas ações de territorialização nas regiões onde são registrados os maiores índices de crimes contra a vida, bem como atua no fortalecimento da polícia investigativa nesses locais para coibir a atuação e a disputa entre organizações criminosas. Destaca ainda que a presença permanente da Polícia nos territórios têm o objetivo de neutralizar a ação de grupos criminosos e construir uma relação de confiança junto aos moradores. Além disso, as Forças de Segurança do Ceará promovem regularmente discussões nas escolas sobre temas como prevenção ao uso indevido de drogas e à violência sexual, entre as outras formas de violência. Pela PC-CE, as palestras são realizadas pela Divisão de Proteção ao Estudante (Dipre). Já na Polícia Militar do Ceará (PMCE), os trabalhos incluem ações desenvolvidas pelo Programa Educacional de Resistência às Drogas e a Violência (Proerd), vinculado à Coordenadoria de Gestão Interna do Ensino e Instrução (Cogei), e pelo Grupo de Segurança Escolar (GSE) do Comando de Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac).

Em conjunto ao trabalho da segurança pública, visando ações voltadas para esse público há, ainda, outras iniciativas promovidas pelo Governo do Ceará. A rede pública estadual de ensino passou a contar com mais 80 Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI), elevando para 472 o número de unidades com a jornada ampliada, perfazendo o maior número de ampliação anual de escolas em tempo integral já anunciadas pelo Governo do Estado. O Ceará já conta com escolas nesse modelo em 66 municípios. Com isso, 71% da rede estadual proporciona uma jornada de sete a nove horas diárias, com até três refeições. A meta é garantir a universalização deste modelo de ensino na rede pública até 2026″.

RECOMENDAÇÕES

A partir do estudo ‘Meninas no Ceará: a trajetória de vida e de vulnerabilidades de adolescentes vítimas de homicídio’, o Comitê fez uma série de recomendações, com objetivo de aumentar o índice de resolução das investigações.

Entre as recomendações, se destacam pedidos de: fortalecimento da perícia forense do estado do Ceará; fortalecimento do Núcleo de Inteligência da Polícia Civil; apreensão de câmeras e imagens relacionadas ao local em prazo razoável; e estabelecer fluxo entre autoridades policiais e Pefoce para agilizar a entrega de laudos.

 

 

 

Via Diário do Nordeste


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