Sem remédios em postos há meses, população de Fortaleza fica sem tratamentos para hipertensão, diabetes e dor


crise na saúde pública de Fortaleza, agravada por falta de insumos e de profissionais no final de 2024, ainda está atingindo a população do município que depende do Sistema Único de Saúde (SUS). Diversos relatos feitos por fortalezenses apontam a falta de medicamentos básicos há meses em vários postos de saúde da Capital.

A situação é tão precária que medicamentos básicos como aqueles voltados para dores, diabetes, hipertensão, dentre muitos outros, estão em falta nas unidades do Ceará. Na lista estão remédios como glifage, dipirona, gliclazida, sinvastatina, enalapril, ibuprofeno, carvedilole até insulina. Também falta papel para imprimir receitas e agulhas para exames.

A secretária da Saúde do município, Socorro Martins, afirmou, no último dia 13 de março, que cerca de 90% dos estoques da atenção primária estariam reabastecidos até o final do mês. Porém, na última segunda-feira (31), uma equipe do Diário do Nordeste percorreu quatro postos de saúde de Fortaleza para conferir o relato de usuários das unidades.

Em todos os locais, houve reclamação sobre a falta de pelo menos um remédio, de dipirona a medicamentos de uso contínuo. No Posto Pedro Sampaio, localizado no Conjunto Palmeiras, os relatos dão conta, sobretudo, da falta de gliclazida, utilizada no tratamento de diabetes, e insulina.

A dona de casa Cláudia Regina de Sousa Noronha, de 64 anos, mora na mesma rua da unidade e é atendida no local há vários anos. Ela faz acompanhamento da diabetes e relata a falta da gliclazida. “Há duas semanas não está disponível”, diz.

Além deste remédio, ela precisa receber sinvastatina e glifage. O último, segundo Cláudia Regina, nem sempre está disponível no posto, mas ela consegue pegar na farmácia popular, programa do Governo Federal que complementa a disponibilização de medicamentos utilizados na atenção primária à saúde em parceria com a rede privada. “Vim na quinta-feira aqui (ao posto) pegar e a farmácia estava vazia”, completa.

Fátima Jerônimo Lima, dona de casa de 69 anos, é atendida na mesma unidade e reitera as queixas. Ela acrescenta que tem diabetes e precisa fazer uso de insulina, mas “há três semanas não tem recebido a medicação no posto, pois não há no estoque”. “Tem gente que pode comprar, mas tem gente que não consegue. Não tem dinheiro. Eu só não tomo remédio da pressão, mas o resto tudo eu preciso. Aí fica muito difícil”, completa.

 

Fachada do Posto de Saúde Carlos Ribeiro
Legenda: No Posto de Saúde Carlos Ribeiro, há reclamações sobre falta de remédios e de materiais como agulhas para realização de exames
Foto: Thiago Gadelha

 

DÍVIDA E FALTA DE PLANEJAMENTO

O desabastecimento nos postos de saúde foi discutido na 284ª Reunião Ordinária do Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza (CMSF), no dia 11 de março. Na ocasião, uma integrante solicitou que a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) fizesse uma nota sobre a situação, explicando à comunidade quando seria feita a reposição dos remédios.

Em resposta, a titular da SMS, Socorro Martins, afirmou que a possibilidade de a Pasta ser “mais clara” sobre o assunto já havia sido discutida e que a previsão era que todas as medicações fossem repostas por volta do dia 25 de março. Ela ainda informou que os pedidos para os meses de janeiro e fevereiro deveriam ter sido feitos ainda em 2024, durante a gestão do ex-prefeito José Sarto (PDT), devido à programação das indústrias fornecedoras.

“Quando foram fazer os pedidos, boa parte das empresas ainda estavam de licença, não estava recebendo, e uma parte que poderia receber deu um prazo de 45 dias para entregar a medicação”, afirmou. A gestora também citou dívidas com fornecedores que foram herdadas da gestão municipal passada.

Dois dias depois, foi feita uma entrevista coletiva, e Socorro Martins abordou esses dois aspectos. De acordo com a SMS, o débito era de R$ 36 milhões e que R$ 17 milhões já foram pagos para regularizar o abastecimento.

“Se não havia dinheiro e não houve planejamento para responder às demandas de janeiro, fevereiro e março, ficava claro que iam faltar remédios, porque a programação de medicamentos no nosso País deve se dar em novembro e dezembro do ano anterior, acompanhando o funcionamento da indústria farmacêutica”, afirmou a secretária, na coletiva.

 

Paciente de costas, sentada em cadeira de rodas
Legenda: Paciente atendida no posto de saúde Pedro Sampaio
Foto: Thiago Gadelha

 

Na última segunda-feira (31), o Diário do Nordeste enviou alguns questionamentos à Secretaria Municipal de Saúde. Foi perguntado:

  • Se a atual gestão tem enfrentado alguma dificuldade para garantir o fornecimento de medicação e, em caso afirmativo, quais;
  • O que faz com que as queixas sobre o acesso a remédios sejam tão recorrentes nas unidades;
  • Se houve problemas no fornecimento de insulina, cuja distribuição é de responsabilidade do Governo Federal;
  • Se a opção de consultar disponibilidade de medicamentos nos postos de saúde, disponível no aplicativo Mais Saúde Fortaleza, é utilizado;
  • Se há alguma proposta de melhorias na logística de distribuição dos medicamentos;
  • Se a atual gestão já detectou gargalos nos fornecimentos, uma vez que também houve queixas sobre a falta de insumos como agulhas e papel para a impressão de exames, e o que tem sido feito em relação a isso.

Por meio da assessoria de imprensa, a SMS respondeu apenas que está realizando o reabastecimento de medicamentos nos postos de saúde da Capital, “iniciando com os itens de maior necessidade da população, garantindo o tratamento adequado de doenças crônicas e agudas”, e citou as questões pontuadas pela secretária Socorro Martins relativas à gestão passada.

“O Município segue empenhado em restabelecer de forma integral os estoques da Central de Abastecimento Farmacêutico de Fortaleza. Somente neste ano, 102 milhões de comprimidos já foram entregues à população”, complementa a nota.

 

Estrutura de container provisória do Posto de Saúde Floresta
Legenda: Como a sede original do Posto de Saúde Floresta está em reforma, a unidade está funcionando em uma estrutura de container provisória
Foto: Thiago Gadelha

 

Procurado pelo Diário do Nordeste, o Sindicato dos Médicos do Ceará informou, por meio de nota, que recebeu denúncias sobre desabastecimento no Posto de Saúde Oliveira Pombo, no bairro Panamericano. A entidade informou que está oficiando a SMS para cobrar esclarecimentos sobre a situação das demais unidades e buscar soluções.

“Além disso, o Sindicato encaminhará diretores para realizar visitas a outras unidades e verificar a extensão do problema, reforçando seu compromisso com a garantia de melhores condições de atendimento à população”, complementa o comunicado.

A reportagem também esteve presente no Posto Oliveira Pombo, onde o zelador Adelino Dias, de 61 anos, recebe acompanhamento por causa da diabetes e da hipertensão. “Num tem nada. Eu tomo o enalapril, gliclazida, carvedilol e todos eles estão faltando há cerca de dois meses. Fui lá agora e a moça diz que não tem. Se você não tiver o dinheiro para comprar, como fica?”, questiona o morador do Panamericano.

Com a falta de fornecimento gratuito, é preciso refazer o orçamento para encaixar o custeio da medicação. De acordo com o zelador, a entrega era contínua em 2024, mas entre o final da gestão passada e início da atual, a situação se alterou e o acesso à medicação tornou-se mais difícil. “A última vez que recebi todos os remédios de forma completa foi em 2024”, acrescentou.

 

Na mesma unidade, pacientes relataram à reportagem, após saírem do atendimento, que até ibuprofeno estava em falta. “Me consultei agora, ela (a médica) receitou ibuprofeno e paracetamol e não tem”, disse outra paciente que não quis se identificar.

 

Em outro bairro, no Álvaro Weyne, o auxiliar de cozinha Jonielson dos Santos é atendido no Posto de Saúde Floresta e também reforça algumas queixas sobre a falta de remédios. Ele é cadastrado na unidade que está funcionando em uma estrutura de container provisória, já que a sede original está em reforma.

No local, Jonielson elogia a prestação do serviço de atendimento, mas lamenta que falte a medicação que necessita. “Desde que iniciou os atendimento na carreta, é bem prestativo, não falta medicamento comum, como dipirona e ibuprofeno. Mas eu sou portador de fibromialgia, e aí falta o gabapentina, que é controlado. Está em falta desde novembro. Na verdade, eu tenho que pegar esse remédio em outro posto (no  Casemiro Lima Filho) porque antes eu recebia nele, e agora é no outro. E no outro não tem”, conta.

Como não recebe gratuitamente desde novembro de 2024, ele destaca que precisa comprar o medicamento, o que afeta o orçamento mensal. Além disso, cita o período de validade da receita. “Então, eu preciso voltar ao posto para renovar a receita porque não tem o remédio”, conta.

 

Paciente entrando no Posto de Saúde Pedro Sampaio
Legenda: O Posto de Saúde Pedro Sampaio foi uma das unidades visitadas pela reportagem
Foto: Thiago Gadelha

 

A poucos quilômetros de distância, no Posto Carlos Ribeiro — que está localizado na Jacarecanga e tem funcionado em novo local —, as diversas reclamações sobre a falta de remédios são reiteradas. Na unidade, além das queixas sobre ausência de medicamentos, há protesto contra a falta de materiais, como agulhas para realização de exames.

A moradora do bairro, Jaqueline Pinheiro dos Santos, é diabética e hipertensa e reforça as queixas. “O posto, depois que veio para cá, não tem remédio. Eu tomo insulina, não tem nem dipirona no posto, não tem. Metformina também está em falta. É um caso sério”, reclama ela.

O pintor e desenhista Frank Pereira, morador do Centro, é diabético e busca atendimento no Jacarecanga. “Quando eu descobri esse posto, ainda era no outro imóvel e fui bem atendido. Porém, depois da mudança, nenhum remédio que eu venho buscar aqui tem”, afirma. Ele elenca que está sem receber pregabalina, baclofeno, dipirona e metformina. Algumas dessas medicações, sinaliza ele, são para dor, pois relata ter sofrido um acidente e está em recuperação.

“Não sei o que ocorre. Se é simplesmente com esse posto ou é um relaxamento geral da gestão da saúde. Algo está acontecendo que eles não estão dando a assistência devida aos postos de saúde, sobretudo com a medicação. Eu sou obrigado a ficar com dor ou ‘dar meus pulos’ e pagar. O que eu posso dizer é que está deixando muito a desejar”, diz.

Na segunda-feira, quando a equipe de reportagem do Diário do Nordeste estava na frente do posto entrevistando os pacientes, uma funcionária do local se dirigiu aos pacientes rapidamente dizendo que “eles fossem reclamar na regional”.

Outro local onde a reportagem ouviu relatos de pacientes foi no Posto de Saúde João Medeiros de Lima, localizado no bairro Vila Velha. As queixas incluem falta de insumos como agulhas de espessuras adequadas para a realização de exames e até papel para a impressão dos resultados dos testes feitos.

 

 

Via DN


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