A fraude no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou ‘farra do INSS’, termo usado em relatório da Polícia Federal na Operação Sem Desconto, teria contado com a participação de empresário, advogada, testas de ferro e até mesmo uma ex-deputada federal. Todos estes com atuação no Ceará, segundo decisão da Justiça Federal determinando busca, apreensão e quebra do sigilo bancário em diversos endereços em Fortaleza.
Juntos, os investigados teriam movimentado, pelo menos, R$ 1,3 bilhão a partir do “desconto indevido de mensalidades associativas em aposentadorias e benefícios do INSS sem o conhecimento ou autorização de seus beneficiários”.
No Ceará, foram apreendidos veículos de luxo, como uma Ferrari e um Rollys-Royce, além de dezenas de sapatos avaliadas, cada par, em torno de R$ 40 mil.
Natjo é proprietário de clínicas e laboratórios de saúde. Junto a ele está o nome da advogada Cecília Rodrigues Mota. Conforme as investigações, a dupla contava com ‘testas de ferro’ para as movimentações financeiras.

A reportagem apurou que pelo menos três carros de luxo foram recolhidos da garagem da casa do empresário. O imóvel é avaliado em, aproximadamente, R$ 27 milhões, sendo um dos mais caros e luxuosos do Ceará.

Foram expedidos mandados de busca e apreensão cumpridos em diversos endereços de Fortaleza, como Beira-Mar, Carlito Pamplona, Vila Manuel Sátiro, Álvaro Weyne, Meireles, Aldeota, Luciano Cavalcante e Centro.
VIAGENS INTERNACIONAIS
De acordo com documentos obtidos pela reportagem, Cecília já empregou a esposa do empresário em seu escritório de advocacia “destinatário de altos valores oriundos dos descontos indevidos autorizados pelo INSS”.
As defesas do empresário e da advogada não foram localizadas pela reportagem
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Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Secção Ceará informa que “já foi aberto um procedimento interno de verificação de conduta ética-disciplinar, além de outras providências. Por força da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil), no §2º do art. 72º, o andamento dos processos disciplinares no Tribunal de Ética e Disciplina (TED) é sigiloso, só tendo acesso às suas informações as partes, seus defensores e a autoridade judiciária competente”.
Consta também no documento que a advogada levava uma vida de luxo, tendo “três veículos de luxo adquiridos pela operadora do direito nos anos de 2023 e 2024, que anteriormente só ostentava um veículo popular sob sua propriedade”.
Segundo a Polícia Federal, Cecília viajou 33 vezes em menos de um ano, com destinos como Dubai, Paris e Lisboa, e na companhia de outras pessoas ligadas ao esquema.
Natjo teria sido um destes acompanhantes em 15 ocasiões, tendo supostamente recebido R$ 400 mil em operações das empresas de Cecília.
Em uma viagem até Dubai, a dupla e outros dois amigos teriam transportado 31 malas, o que para a Polícia é “incomum para uma viagem internacional de 7 dias”.
Ainda de acordo com a Justiça Federal, as operações suspeitas feitas pela advogada “denotam sua relevância como operadora financeira e uma das líderes da organização criminosa”.

O Diário do Nordeste também apurou que Cecília Rodrigues Mota tem inscrições no Cadastro Nacional dos Advogados (CNA) nos estados do Ceará, Bahia, São Paulo e Distrito Federal.
O nome da ex-deputada federal e fisioterapeuta Maria Gorete Pereira também é mencionado como investigada neste caso. Segundo a Justiça, ela “recebeu procuração da associação AAPEN para celebrar o Acordo de Cooperação Técnica com o INSS”.
Assim, Gorete tinha ‘amplos poderes’. Consta ainda na investigação que a ex-parlamentar movimentou quase R$ 245 mil em transações suspeitas, entre 2018 e 2023.
A reportagem procurou a ex-deputada, não reeleita desde 2018, mas não teve retorno até a publicação desta matéria.
OPERAÇÃO SEM DESCONTO
A Operação Sem Desconto foi deflagrada pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria Geral da União (CGU), no último dia 23 de abril, contra fraudes no INSS. As buscas ocorreram em 13 estados.
Carros de luxo, dinheiro em espécie, joias e quadros de obras de arte foram apreendidos.
Das 11 associações alvos de mandados judiciais, conforme lista do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), a reportagem apurou que três instituições têm sedes em Fortaleza – sendo duas no bairro Aldeota e a outra, no Centro – e firmaram Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS entre os anos de 2021 e 2023.
A AAPB é uma das entidades investigadas pela Controladoria Geral da União (CGU) em meio ao escândalo do INSS, em que associações representativas de aposentados e pensionistas cobraram R$ 6,3 bilhões de beneficiários sem a autorização dos mesmos.
No site “Reclame Aqui”, a AAPB recebeu 540 reclamações. Nenhuma delas foi respondida na plataforma. As queixas são justamente sobre cobranças indevidas, que conforme os relatos começaram entre 2018 e 2025.
Nas redes sociais, a AAPB diz que “suas atividades foram suspensas por medida cautelar determinada pela Justiça Federal” e que colabora com as investigações.
Entidades investigadas pela CGU e ano da assinatura do acordo:
- Contag – 1994
- Sindnapi – 2014
- Ambec – 2017
- Conafer – 2017
- AAPB – 2021
- AAPPS Universo – 2022
- Unaspub – 2022
- APDAP PREV (antiga Acolher) – 2022
- ABCB/Amar Brasil – 2022
- CAAP – 2022
- AAPEN (antiga ABSP) – 2023
A PF e a CGU dizem que “de toda forma, os aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que identificarem desconto indevido de mensalidade associativa no extrato de pagamentos (contracheque) podem pedir a exclusão do débito de forma automática pelo aplicativo ou site ‘Meu INSS’”.