Artesãos do Ceará criam presépios regionais com peças de madeira, goma de mandioca e mais


Um dos mais conhecidos e antigos símbolos do Natal, o presépio se mantém como um importante item de decoração durante as festas de fim de ano. Além das tradicionais “lapinhas” que retratam o nascimento de Cristo junto à Maria, José, os Reis Magos e os animais do pastoreio, os cearenses podem conferir, ainda, versões criativas das pequenas maquetes, projetos autorais de artistas de diversas cidades do Estado: os presépios artesanais.

 

Presépios artesanais trazem história e as tradicionais tipologias cearenses
Legenda: Presépios artesanais trazem história e as tradicionais tipologias cearenses
Foto: Davi Rocha

 

Anualmente, artesãos da Capital e de outras regiões do Ceará – com destaque para o Cariri – se organizam para construir presépios originais, que não só retratam a relação com a religiosidade, mas também expandem as possibilidades de criação artística de quem se dedica à arte cearense popular.

A artesã cratense Lusy Lacerda, 49, é uma das que se dedica com afinco à tarefa. Há mais de uma década, ela constrói presépios diferentes a cada ano, inspirada pela cultura caririense e impulsionada pela tradição artística de sua família.

Bisneta de uma cozinheira de mão cheia, neta de uma costureira talentosa e filha da cordelista e mestra da cultura Josenir Lacerda, Lusy – que se define como uma artista “com muitas camadas, mas essencialmente artesã”, conta ter orgulho de dar continuidade à herança criativa das mulheres que a antecederam.

 

Projeto criado por Lusy Lacerda teve inspiração na casa da bisavó da artista
Legenda: Projeto criado por Lusy Lacerda teve inspiração na casa da bisavó da artista
Foto: Davi Rocha

 

Neste ano, ela elaborou um projeto feito à base da tradicional massa de goma de mandioca, gesso e parafina que retrata um pouco de suas memórias familiares – com elementos que remetem a memórias de muitos cearenses e nordestinos.

 

Faço várias coisas, mas o objeto principal, que me traz a minha renda, é o jogo de xadrez temático, feito com goma de mandioca. Com a massa feita à base da goma de mandioca, eu modelo os personagens do cangaço, da cultura popular, as bandas cabaçais, o bumba meu boi, todos esses elementos que a gente tem na nossa cultura.”
Lusy Lacerda

Artesã

 

O presépio, além dos detalhes cristãos, inclui um pouco da rotina da casa de dona Olívia, sua bisavó, que Lusy descreve como “uma mulher muito aguerrida e muito sábia”. Além dos materiais tradicionais, a artesã usou pedaços de madeira descartada, como palitos de picolé e de fósforo. “Os móveis todos eu fiz  assim, com esse tipo de madeira”, destaca.

Inspirado pelo Mestre Vitalino, de Caruaru (PE), e muitos artistas caririenses – como a própria Lusy e Demóstenes Fidelis –, decidiu se dedicar ao que chama de “bonecos cabeçudos”, miniatura de 13 a 15cm que retratam, em sua maioria, grandes personalidades nordestinas, como Belchior, Luiz Gonzaga, Patativa do Assaré e Padre Cícero.

Em 2024, Boni decidiu unir a arte de fazer bonecos à tradição do presépio natalino, prestando uma homenagem aos Mestres da Cultura que o inspiraram em uma lapinha grande, colorida e diversa – assim como o Cariri.

“Costumo pensar que eu mesmo não tenho uma imaginação nenhuma”, brinca. “Tudo que eu faço é coisa que eu vejo lá no Cariri mesmo. O cenário representa uma praça de cidade pequena e eu quis homenagear os grandes Mestres da Cultura do Cariri, principalmente as Mestras mulheres por quem eu tenho grande admiração”, completa.

“Geralmente, eu fazia peças menores, e essa, em relação ao que geralmente faço, é muito grande. Nunca tinha usado essa temática, era sempre algo mais amplo, mas esse ano quis homenagear o Cariri e as pessoas da cultura do Cariri”, destaca.

CONCURSO DE PRESÉPIOS ARTESANAIS IMPULSIONA PRODUÇÃO CEARENSE

 

Presépio de Elisvaldo Teixeira, artista de Fortaleza, ficou em 2º lugar no concurso
Legenda: Presépio de Elisvaldo Teixeira, artista de Fortaleza, ficou em 2º lugar no concurso
Foto: Davi Rocha

 

Os projetos de Lusy Lacerda e Boni Belarmino foram dois dos vencedores, na última sexta-feira (22), da 27ª edição do Concurso de Presépio Artesanal do Estado, realizado pela Central de Artesanato do Ceará (CeArt). Ao todo, foram inscritos 42 projetos, contemplando diversas tipologias, cidades e regiões cearenses.

 

Projeto de Din Alves, de Juazeiro do Norte, garantiu o 4º lugar no concurso
Legenda: Projeto de Din Alves, de Juazeiro do Norte, garantiu o 4º lugar no concurso
Foto: Davi Rocha

 

Já os artesãos Din Alves José Wilson Tavares, que também trabalharam com madeira, ficaram no quarto e quinto lugares da competição. Alguns dos projetos que participaram do concurso estão à venda na Galeria Mestre Noza, loja da CeArt, na Praça Luiza Távora.

Vencedor do concurso pela terceira vez, Boni Belarmino destacou a “extrema importância” do concurso para a divulgação do artesanato cearense. “É uma coisa que eu só vejo acontecer aqui no Ceará, um concurso que inspira os artesãos, que dá vontade de trabalhar cada vez mais. Fiz o desse ano e já estou querendo pensar o que é que vou fazer no ano que vem”, comenta, animado.

Já Lusy Lacerda, que ocupou o 3º lugar do top 5, destaca o orgulho de participar desde as primeiras edições do concurso – e a alegria de poder pensar em um projeto autoral que tem um foco além das vendas. “Foge completamente daquele trabalho que o artesão faz durante o ano inteiro. É para extravasar a arte, porque às vezes a gente trabalha de forma muito mecânica. Então, é uma oportunidade de dar vazão à criatividade e ampliar mais esse espaço criativo”, pontua.

 

Presépio do cratense José Wilton Alves ficou em 5º lugar no concurso
Legenda: Presépio do cratense José Wilton Alves ficou em 5º lugar no concurso
Foto: Davi Rocha

 

A coordenadora da CeArt, Germana Mourão, destaca que o concurso tem como objetivo demonstrar que o Natal é, também, uma festa cearense, com raízes fortes no Nordeste – não é preciso, portanto, recorrer a elementos “americanizados e europeus” para celebrá-la.

 

Nascimento de Cristo foi retratado em bordado
Legenda: Nascimento de Cristo foi retratado em bordado
Foto: Davi Rocha

 

“Quando você vê as características desses presépios, você vê que as pessoas se manifestaram culturalmente e que trouxeram os nossos personagens para essa realidade do nascimento de Cristo, que é muito simbólico no mundo inteiro”, explica. “Aqui, os artesãos realmente exploram outro lado da criatividade deles, de uma forma muito honesta, uma coisa muito íntima, muito profunda”, completa.

Presépios feitos por Amigurumis foram destaque na competição
Legenda: Presépios feitos por Amigurumis foram destaque na competição
Foto: Davi Rocha

 

Germana conta que, além das premiações em dinheiro para os vencedores do concurso, há interesse da CeArt de adquirir alguns dos presépios para manter no acervo da Central, como forma de valorizar o trabalho dos artesãos cearenses. Por enquanto, alguns dos projetos inscritos no concurso seguem à venda na Galeria Mestre Noza, na Praça Luíza Távora, na Aldeota.


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