O Ceará chegou à configuração atual de 184 municípios em 1992, com a fundação de Choró, Itaitinga e Fortim. Desde então – mesmo com movimentações emblemáticas, como pela emancipação dos distritos de Pajuçara, em Maracanaú, e de Jurema, em Caucaia –, nenhuma outra cidade foi criada em solo cearense.
O Estado havia passado por uma multiplicação de entes municipais entre os anos 80 e o início dos anos 90. A tendência foi enfraquecida com a edição da Emenda Constitucional nº 15, de 1996, que deixou lacunas no processo de criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios.
A nova regra dizia que alterações do gênero sejam feitas por lei estadual, em prazo definido por lei complementar federal – que ainda não existe –, após estudos nas regiões específicas. A ausência de regulamentação impôs um impasse a cerca de 75 localidades cearenses, que esperam desfecho há pelo menos 15 anos.
Agora, o vácuo normativo é objeto de análise no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte retomou, nessa sexta-feira (19), o julgamento de uma ação que questiona possível omissão do Congresso Nacional em legislar sobre o assunto.
Histórico de criação dos municípios cearenses
O Ceará chegou ao fim do seu Período Colonial (1699-1822) com 16 aldeamentos e vilas, que foram elevados de categoria e desmembrados nos anos seguintes. Houve, ainda, anexação de uma parte do território do Piauí. O processo resultou em 64 cidades ao todo, divididas da seguinte forma:
- Aquiraz > Cascavel
- Fortaleza > Maranguape (originou Pacatuba)
- Icó > Jucás (originou Saboeiro), Jaguaribe (originou Solonópole e Jaguaretama), Pereiro e Iguatu
- Aracati > Jaguaruana
- Viçosa do Ceará > São Benedito (originou Ibiapina)
- Caucaia > Trairi (originou Paracuru)
- Baturité > Redenção
- Crato > Caririaçu, Barbalha (originou Missão Velha) e Milagres
- Sobral > Itapipoca (originou Itapajé), Acaraú (originou Santana do Acaraú), Santa Quitéria e Meruoca
- Granja > Camocim e Coreaú
- Quixeramobim > Canindé, Mombaça (originou Pedra Branca), Boa Viagem e Quixadá
- Guaraciaba do Norte > Ipú (originou Ipueiras e Tamboril)
- Russas > Limoeiro do Norte e Morada Nova
- Tauá > não consta desmembramento no período, segundo o livro
- Jardim > Porteiras
- Lavras da Mangabeira > Várzea Alegre, Aurora e Umari.
- Assaré > Santana do Cariri e Araripe
- Marvão (Piauí) > Crateús e Independência
As informações foram retiradas do livro “Formação do Território e Evolução Político-Administrativa do Ceará”, organizado por Lana Mary Veloso de Pontes e publicado pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece).
Todo esse processo aconteceu em um contexto de transição de protagonismo entre artigos econômicos, da pecuária ao cultivo de algodão.
A atividade algodoeira também influenciou as emancipações municipais, pois permitiu uma série de investimentos em infraestrutura para facilitar a circulação de mercadorias nos principais centros produtores de algodão, aumentando o contingente populacional e elevando muitos povoados à condição de vilas.
A alocação de investimentos pelo território cearense se mostrou fator essencial para as delimitações municipais, sobretudo com a transição da Monarquia para a República Velha. Evidencia-se a criação de instituições federais para o enfrentamento dos períodos de secas, como o que hoje se conhece como Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs).
De 1890 a 1929, somaram-se outros 23 municípios à configuração do Estado cearense, que passou a contar, ao todo, com 87 cidades. Algumas delas se destacaram nesse período pelo desenvolvimento e ebulição econômica, resultando em maior concentração populacional.
Exemplo disso foi Baturité que, estimulada pela produção cafeeira e pelo fortalecimento da cultura algodoeira, cresceu rapidamente entre 1860 e 1870. Pouco mais de vinte anos depois, deu origem a outros cinco municípios: Mulungu, Aratuba, Aracoiaba, Pacoti e Guaramiranga.
Em complemento, a primeira Constituição da República (1891), promulgada no biênio seguinte à Proclamação, deu aos estados-membros o dever de assegurar a autonomia dos municípios e garantir sua competência sobre seus “peculiares interesses” – ainda que, na prática, estes atendessem aos coronéis.
Com o Decreto Estadual nº 193, de 1931, o território cearense finalmente passou pela sua primeira divisão legal, com determinações sobre os limites dos municípios existentes até então. A discussão sobre as coordenadas geográficas de cada território ainda seguiria pelas décadas seguintes, inclusive, com a aprovação de uma lei sobre isso neste ano.
Entre 1930 e 1959, sobretudo nos últimos anos, o Ceará ganhou mais 54 cidades, totalizando 141. Cabe destacar que, com a Constituição de 1937, sob Getúlio Vargas, houve esvaziamento da relativa autonomia conquistada pelos municípios.
A Carta deu aos governadores a responsabilidade de nomear os prefeitos e ao Conselho Administrativo Estadual a própria gestão municipal. A chamada “Revolução Municipalista” só veio com a Constituição de 1946, promulgada após a derrubada do Estado Novo.
Nessa conjuntura, o Ceará ficou quase 20 anos sem novas emancipações, com Baixio (desmembramento de Lavras da Mangabeira em 1932) em uma ponta temporal e 53 em outra, ainda segundo a publicação do Ipece.
Contudo, a tendência não durou muito. Atos da Ditadura Militar (1964-1985) também trouxeram retrocessos nesse sentido, com forte centralização administrativa.
Os prefeitos de capitais, de estâncias hidrominerais e dos municípios declarados de interesse da segurança nacional passaram a ser nomeados. Já a interferência no Poder Legislativo local repercutiu na limitação de salários e do número de vereadores por município.
Outro ponto citado no artigo em questão foi a fixação da alíquota de 20% no Imposto Estadual de Circulação de Mercadorias (ICM), que criou “grandes disparidades entre os municípios industrializados e os predominantemente agrícolas”.
Não à toa, Maracanaú foi o único município criado nesse período, desmembrando-se de Maranguape em 1983. Fora isso, os processos de emancipação no Ceará foram estagnados até o início da transição democrática, em 1985.
No triênio seguinte, antes mesmo da promulgação da Constituição Cidadã (1988), 36 distritos foram elevados a categoria de municípios no Estado.
A nova Carta institui um inédito pacto federativo, ampliando transferências aos municípios e dando-lhes a atribuição de criar distritos. A descentralização de competências tributárias e a definição de critérios para a criação de municípios em lei estadual também merecem destaque.
Foi nessa toada que o Ceará passou de 177 cidades a 184 em 1992, consolidando a configuração atual.
A questão dos limites municipais
Visando otimizar o gerenciamento das ações governamentais, o Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais do Ceará (Celditec), vinculado à Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), revisou, atualizou e georreferenciou os limites dos 184 municípios do Estado.
As ações foram realizadas em convênio com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Estado do Ceará (Ipece), e em parceria com a Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece) e a União dos Vereadores do Ceará (UVC).
Recentemente, em maio deste ano, foi a vez de Itapipoca, Tururu, Uruburetama, Monsenhor Tabosa e Tamboril passarem por correções nos seus limites territoriais. O processo teve como base estudos técnicos do Projeto Atlas de Divisas Municipais, resultado da parceria mencionada acima.
As novas coordenadas foram definidas em consenso entre as prefeituras e outros agentes locais.
Segundo o Ipece, em nota enviada ao PontoPoder à época, as localidades afetadas já eram administradas pelos respectivos municípios, que ofertavam serviços públicos e exerciam a “presença institucional”, como a gestão de escolas e postos de saúde que estão nas áreas que ganham nova “sede oficial”. Emancipações travadas
No período pós-1996, outros distritos cearenses iniciaram o processo de emancipação, que foi paralisado há cerca de 15 anos. Ao todo, são alvos de decretos da Alece para consulta plebiscitária 75 localidades distribuídas por 30 municípios.
Há requisitos mínimos que esses territórios têm que obedecer para ser desmembrados, começando por um estudo de viabilidade municipal. Entre os critérios estão:
- População superior a oito mil habitantes;
- Eleitorado não inferior a 40% de sua população.
- Centro urbano já constituído com número de prédios residenciais, comerciais e públicos superior a 400;
- Estimativa de receitas fiscais (baseada na projeção de tributos próprios a serem arrecadados e estaduais) e de transferências (estaduais e federais);
- Estimativa do custo de administração do novo município (incluindo remuneração de prefeito, vice-prefeito, vereadores, servidores, despesas de custeio e de prestação de serviços de interesse local, educação e saúde).
- Existência de equipamentos sociais e de infraestrutura compatíveis com as necessidades da população.
Com base nesses tópicos, o Ipece elaborou uma lista com distritos emancipados no Estado. Contudo, sem regulamentação relativa à Emenda Constitucional nº 15, o processo foi barrado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), ao qual cabia a função de executar os plebiscitos sobre os desmembramentos.
Como o problema não se restringe ao Ceará, o Governo do Pará ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) sobre a ausência de norma específica. A análise do caso foi retomada nessa sexta-feira pelo STF em pauta virtual do plenário, e deve seguir até o dia 26.
A Corte já analisou o assunto em 2007, na ADI 3682, ajuizada pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso. Naquela ocasião, o relator, Gilmar Mendes, estipulou um prazo de 18 meses para que o Congresso Nacional adotasse as providências necessárias. Isso, contudo, nunca aconteceu.
O Senado Federal se manifestou no processo. A Casa negou a existência de mora legislativa e argumentou que houve “intensa atividade” sobre o tema, com projetos de lei aprovados e enviados à sanção presidencial, mas vetados.